Quem sou eu

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Recife, PE, Brazil
É kinda pretensious dizer que se é artista. Sou menos artista que Bukowski ou Fernando Pessoa. Sou mais artista que Gianechini ou Debora Seco... Somewhere in the middle. Sou atento ao mundo e busco sempre descrevê-lo de alguma forma e com algum tom de lirismo.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Just the way you look tonight...

“Fraqueza!” Pensou ele.
Isso é o que era a paixão.
Um estado extremo de hipersensibilidade que qualquer cutucada levava o mundo abaixo.
Se fosse uma cutucada gentil e amorosa, fazia-se céu a terra.
Mas a vida... Ah... A vida era uma danada!
Cada cutucada uma mais violenta que a outra!
Não! Já bastava!
Tomou uma decisão séria: nunca mais se apaixonaria novamente.
E pronto! Foi dito.
Tomou sua gemada e foi para a cama dormir enquanto todos os móveis de sua cozinha riam dele secretamente. Sabiam que muito em breve estaria louco novamente, cantando “The way you look tonight” só de cueca pela casa, servindo-se do saleiro por microfone.
Era um incorrigível...

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Perfume.

Foi pro show sozinho.
Era um encontro de artistas que haviam marcado muito sua vida e levar qualquer pessoa para sentar ao seu lado só poderia prejudicar sua atenção naquele momento tão especial. Por isso, pegou o carro sozinho, bebeu tranquilamente um cappuccino num café ao lado do teatro e, quando deu a hora, entrou.

O teatro estava praticamente lotado. As últimas cadeiras disponíveis iam sendo ocupadas aos poucos pelas pessoas que chegavam, em sua maioria casais. Permaneceu imóvel em sua cadeira, olhando para o nada, à espera do segundo toque, que devia ressoar a qualquer momento. Pensou quaisquer que sejam os pensamentos que se pode ter durante esses tempos mortos do dia-a-dia. Em meio ao murmúrio de pré-apresentação que dominava a sala, algumas pessoas ainda passavam por ele, procurando seus assentos. E foi numa dessas passadas que ele sentiu. Um aroma, um perfume. Parou para pensar de onde ele conhecia tão bem este cheiro. Era, com certeza, de algum lugar longínquo de seu passado. Mas não sabia ao certo de onde.

Ressoou o segundo toque. Em seguida o terceiro.
Entraram os músicos. Aplausos, palavras iniciais, aplausos, violão.
A música o embebeu por completo. A cada palavra da canção, resgatava os diversos significados que ela já havia tido no decorrer de sua vida. E então, de súbito, lhe veio: Maria Edwiges!

Era o perfume de Marie Edwiges! Sua primeira namorada, que ele havia tido aos treze anos, na Suíça, quando morara lá! Havia dez anos que não sentia esse cheiro! Um perfume doce, essencialmente feminino, que, se permitindo dar um palpite, ele julgou ser de pêssego. Embora de cheiro ele entendesse pouco.

Ora lá estava Marie Edwiges, dez anos depois. Presente pelo cheiro! Lembrou-se de seu primeiro beijo com ela – que havia sido seu segundo beijo na vida. O primeiro fora com uma prima mais velha. “Pra treinar”... Suas idas de bicicleta a sua casa. Os “passeios com o cachorro” que iam dar para que pudessem se beijar. E a vergonha. Quanta vergonha! Vergonha que seus pais o vissem com ela, vergonha de falar no telefone com ela quando seus pais estavam por perto...

O que teria acontecido com Marie Edwiges? Dos treze aos vinte e três. Uma vida de diferença. O que estaria ela fazendo? Que tipo de música gostava de escutar? Casara-se? Morrera? Lembrava-se dele? Provavelmente. Ou não...

Pensou sobre o quanto uma menina que ele conhecera tão pouco intimamente conseguira satisfazer tanto os seus sonhos de menino. E o quanto era difícil, naquele momento, encontrar alguém que pudesse lhe trazer este nível de satisfação. A realidade era outra. As exigências eram outras. Perdera a inocência adolescente. Entrara pro mundo complexo e arredio dos relacionamentos adultos. Pensou nas meninas que se seguiram àquela primeira. Lembrou-se de cada rosto, cada sorriso, à medida que as músicas iam passando. O que teria acontecido com elas todas? De algumas ele ainda tinha uma notícia ou outra. Mas na maioria dos casos elas haviam sumido de sua vida. E, de repente, sentiu-se só. Chegou quase a admitir que queria alguém ao seu lado naquele momento. Alguém que ele pudesse segurar a mão e fingir ser seu namorado de longa data.

Decidiu parar com esse fluxo de pensamentos. Para baixo demais para o seu gosto. Mas quando sua música preferida terminou, todos aplaudiram menos ele. Ficou imóvel em sua cadeira. Pensando.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Foi só uma expressão de carinho porque você estava muito fofa hoje.

Não quis dizer nada.
Foi só uma expressão de carinho porque você estava muito fofa hoje.

Um beijo roubado.
Um sorriso cúmplice.
Um olhar meio desajeitado por ter sido algo inesperado.
Foi só uma expressão de carinho porque você estava muito fofa hoje.

domingo, 18 de julho de 2010

O caso de Eric e Ízabel

Dizem que o caso Eric e Ízabel gerou muitos tumultos no reino de Vênus. Diversos anjos cupidos já haviam sido escalados em várias ocasiões e todos eles terminaram, de uma forma ou de outra, falhando. (Mesmo que alguns tivessem chegado muito perto do objetivo).
Foi quando Vênus, a própria, decidiu colocar Mikaelikos no caso.

Mikaelikos era um cupido aposentado que contava em seu currículo com nomes fortes como os de Romeo e Julieta, Tristão e Isolda, Marco-Antônio e Cleópatra,(...) só para citar alguns. A princípio, o velho anjo (que só se distingue de um jovem pela sola do pé, ligeiramente mais enrugada) não quis se envolver, alegando cansaço. Mas quando Vênus lhe propôs uma nova lira e um lugar de destaque na orquestra celestial (que tocava uma vez por semana para ninguém menos que Zeus, o Todo Poderoso), Mikaelikos reconsiderou a oferta. Além do mais, ouvira falar que o casal do caso era de Recife, cidade na qual havia trabalhado alguns séculos atrás e lhe deixara ótimas recordações.

Resultado: reabriu-se o dossiê. De um lado Eric, do outro Ízabel.

Eles haviam se conhecido na adolescência. O anjo então encarregado de Eric, um novato querendo mostrar serviço, carregara pesadamente sua flecha e atingira Eric em cheio. O golpe gerou para sempre uma grande disposição de Eric à paixão por Ízabel. O problema: O anjo de Ízabel já tinha acertado a menina com algum outro menino. Conflitos de interesses, desequilíbrio na harmonia do reino de Vênus... O anjo de Eric foi demitido, prejudicando fortemente o que seria uma carreira promissora.

Alguns anos mais tarde, já de anjo novo, Eric reencontrou Ízabel. Foi pela internet que começaram a ter contato. Com a predisposição de Eric e o recente estado de solteira de Ízabel, o anjo de Eric, o eficiente Clomicos, não teve dúvida: tascou-lhe uma flechinha na batata da perna. As conversas evoluíram bem. Chegou-se a marcar um primeiro encontro. Mas o anjo de Ízabel, o teimoso Gorcos, não estava convencido: era cedo demais. Ízabel havia deixado sua última relação há muito pouco tempo. Negou o acesso. Clomicos foi julgado. Mas conseguiu ser absolvido, por pouco.

Clomicos tendo conseguido ficar no posto, decidiu que seu projeto seria realizado de toda forma. Se era tempo o que exigia Gorcos, dar-lhe-ia tempo.
Cinco meses mais tarde veio a reinvestida.
Uma saída combinada. Gorcos, desconfiado, liberou Ízabel. Secretamente ele pensava: ela não está pronta. É bom que eles vêem de uma vez por todas que não dá certo e pronto.

Acontece que Gorcos estava enganado. O encontro dos dois foi maravilhoso. E antes que se pudesse pensar qualquer coisa, os dois já estavam caminhando para uma linda relação.
Gorcos ficou indócil. E dizem que até ao submundo celestial ele recorreu para conseguir poções maléficas para usar nas flechas com Ízabel.
Resultado: Ízabel terminou com Eric.

Eric, desolado, não sabia a quem recorrer. Dizia, desesperado, para Clomicos: Mas ela é perfeita para mim! Não se pode deixar passar uma oportunidade dessa na vida!!
E Clomicos, sem nada poder fazer, olhava triste para Eric. Em sua experiência de 57 anos de cupidez, ele já havia aprendido coisa suficiente para reconhecer que Eric tinha razão: eles eram perfeitos um para o outro.

Não durou muito tempo. Clomicos foi demitido. Política do reino de Vênus.
Clomicos, no entanto, pediu uma sessão parlamentar com Vênus para lhe explicar a situação em detalhes, atentando para o fato de que algo devia urgentemente ser feito no caso dos pobres Eric e Ízabel. Afinal, era raro se ter uma expressão viva tão forte do potencial que tem o amor. Clomicos, que antes de tudo era um apaixonado pelo seu trabalho, implorou: coloque alguém no caso que possa resolver isso.

Vênus, que não podia retirar Gorcos do caso por questões políticas, pensou na melhor forma de contra-atacar suas restrições. Foi quando chamou Mikaelikos, com seus mais de 3200 anos de experiência.

Mikaelikos, após leitura do dossiê. Colocou-o de lado e sorriu.
Gostava de casos como esse, belo e autêntico.
Teria alguns detalhes a trabalhar mas não deveria ser muito difícil.

Pegou então sua nova lira e foi praticar. Domingo seria sua estréia.

sábado, 17 de julho de 2010

O dia em que meu pai morreu.

Eu tinha doze anos.
Minha irmã mais velha me acordou no meio da noite.
“Papai está morrendo!”
Corremos pro seu quarto. Lá estava ele agonizando em sua cama.
Minha mãe molhava um pano numa bacia para passar em seu rosto vermelho.
Lembro ter ficado, naquele momento, magnetizado com a descoberta de um lado fraco de meu pai. Sua fraqueza, se é que já existira até aquele momento, mostrava sua cara para mim pela primeira vez. E eu não gostara daquilo.

Sua agonia era composta de picos de dor.
Gemidos e alguns gritos acompanhavam estes picos. Minha irmã já saíra do quarto. Não agüentava a situação. Minha mãe, confrontada ao pior, parecia triste, mas permanecia serena. E eu ficava olhando, imóvel, ao pé da cama, curioso e assustado.

Foi entre uma dor e outra que meu pai percebeu minha presença.
Um olhar. súbito e derradeiro.
Este olhar ainda está fixo em minhas lembranças, tantos anos depois. Um olhar de quem faria tudo para que eu não presenciasse aquele momento.

Austero, sempre de paletó, meu pai passara a vida tentando preservar a rigidez das boas maneiras e da virtude. Olho hoje e reconheço: ele era duro. De uma dureza cuja ternura somente eu reconhecia. Não me beijava ou abraçava. Falávamos pouco. Via-o pouco. Mas não passava um dia sequer em que, de noite, após chegar do escritório, ele não entrasse no meu quarto e ficasse me observando. Às vezes ele sentava ao meu lado na cama. Eu, fingindo dormir. Ele passava um longo momento parado e eu sentia então sua respiração. Do meu lado, tomava todo o cuidado para ele não perceber o meu sorriso.

Na manhã seguinte daquela madrugada, meu pai estava estirado num caixão, na sala de minha casa. Minhas tias choravam, meus tios brincalhões não brincavam. Minha mãe andava de um lado pro outro, aflita, oferecendo café a todos os presentes e respondendo que estava tudo bem, estava tudo bem...

Andei até o caixão. Lá estava meu pai, com seu velho paletó. A expressão de seu rosto mudara drasticamente daquele momento de agonia para agora. Na realidade, nunca havia visto aquela sua expressão até então. Uma expressão calma, solta de qualquer peso de rigidez. Uma expressão de paz e tranqüilidade.
Passei um momento olhando para o seu rosto e então tive uma certeza: essa era a expressão que ele tinha quando eu estava virado de costas para ele na minha cama.

Pai, assustei a menina...

Pai, assustei a menina.
Não bastaram suas advertências, me perdi de novo no país das maravilhas.
E antes que pudesse perceber qualquer coisa, havia perdido tudo.
Resultado: mar de lágrimas e a cabeça cortada.
A rainha de copas agradece.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Regressos...

Sono leve, acordei-me com algum pequeno barulho.
Abri os olhos e encontrei o quarto do jeito que o havíamos deixado.
Escuro. Iluminado apenas pela luz do banheiro.
Permaneci deitado, olhando ao meu redor.
O lugar ao meu lado estava vazio. Você estava no banheiro.
Ainda imóvel, avaliei o estado do quarto. Lençóis ao pé da cama, embalagens de preservativos jogadas no chão e, ao meu lado, na pequena mesa de cabeceira, um “cardápio” de fantasias eróticas. Meu corpo nu sentiu o frio do ar-condicionado, mas nada fiz.

Minha cabeça doía. Sobras do álcool.
Mas pior que qualquer incômodo físico, o ter de olhar para você se revelou meu pior suplício.
Via-a apenas por uma parte do espelho que minha vista conseguia alcançar e que refletia parte de seu rosto. Permaneci na mesma posição, com o cuidado de não fazer nada que lhe comunicasse que eu estava acordado. Apenas a observava.

Estava limpando o rosto com um algodão. Retirando o excesso de lápis que borrara sua expressão durante a noite tão mal dormida. Seus movimentos eram suaves e acompanhavam harmonicamente sua fisionomia feliz.
O quanto de felicidade poderia traduzir um rosto? Ali estava a resposta. E você a dava apenas para mim, sem o saber, a cada pincelada de algodão.

Quis gritar que parasse de se sentir tão feliz. Não voltaria mais a estar com você. Eu já era de outra e você já compunha meu passado. Esta noite havia sido... um erro, um engano, um equívoco, uma descaída, uma imprudência, um deslize, uma claudicação. Resultado inevitável dos efeitos etílicos em duas pessoas com a nossa história.

Antes que eu pudesse pensar em algo mais. Você saiu do banheiro e me viu acordado.
Sorriu.
Envergonhado, me cobri com o lençol.

O resto você já sabe.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Jonas e Maria-Cecília

O amor-próprio de Jonas tinha um limite: Maria Cecília.

Tudo se tornara mais bonito desde que Maria Cecília entrara para sua vida. Sua inércia inerente para com as atividades do cotidiano levara uma propulsão sem tamanho. Todos os seus deveres deveriam ser cumpridos no devido prazo. Mais que isso: seus deveres não eram o suficiente. Mais atividades foram arranjadas. Começara até mesmo a escrever sonetos, escutar Bach e procurar trabalho. Havia de ser grande para seu grande amor.
Ligava-lhe a toda hora para saber se estava bem. Lia seus livros preferidos para poder comentá-los com ela mais tarde. Havia criado um sistema com o calendário que gerava datas aleatórias em ciclos imprevisíveis para lhe oferecer ora bombons, ora flores.

Maria Cecília apreciava o namoro deles. Acomodada, recebia todo dia a ligação de Jonas, que nunca faltava ao compromisso. Falava até se cansar e inventava algo para desligar. Recebia seus presentes com o prazer de uma obrigação bem feita e é verdade que, uma vez, ao não ter presente para dar no aniversário de uma amiga sua, reembrulhou a caixa de Ferrero Rocher, trocou o bilhete por um seu e partiu para a festa.

Ora, leitor, é importante não julgar rápido por demais a jovem Maria Cecília. Seu aparente pouco-caso não foi senão o resultado do equilíbrio estabelecido entre os dois desde os primórdios e nenhum é mais responsável que o outro.

Essa rotina durara por mais de ano.
Foi quando veio o avalanche: Jonas a traíra. Mais de uma vez.
Como isto era possível?
Jonas tão bobinho de amor. Tão sujeito à relação deles...
Veio o fim. E o recomeço.
Os dois se gostavam. Haviam se acostumado um ao outro.
E lá estavam os bombons e as flores mais uma vez, a música improvisada no violão, as velas acompanhando um fondue de queijo...

Jonas, se muito dava, também muito cobrava, secretamente. E cada descaso de sua amada lhe doía. Cada palavra a menos, que ela deixava de lhe dizer, era um golpe enorme para si.
Ora, mesmo que Jonas tentasse conquistar um pouco de prestígio de sua namorada, tentasse equilibrar a balança deixando, por exemplo, de ligar para ela e esperando que ela o fizesse, ela não chegava a o fazer antes que ele sucumbisse à ansiedade.
O amor-próprio de Jonas tinha um limite: Maria Cecília.

O enorme vazio que esta situação gerava dentro de si, Jonas tentava compensar no encontro com outras, que lhe davam toda a atenção de uma primeira noite. Toda a atenção que ele precisava.
Muitas meninas passaram por ele – era bonito, fácil de conseguir alguém.
Deitava-se com cada uma delas.
Não podia pensar em Maria-Cecília, pois que senão chorava.
Resolvia o caso de forma rápida, sem amor, nem prazer.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Estive em Paris e pensei em você...

Estive em Paris e pensei em você.
O Boulevard St-Michel estava do jeito que você gosta. De baixo de neblina, não tão cheio.
Entrei num café e estava tocando, numa velha radiola, um disco de Moustaki.
Sentei-me. Nem tirei meu casaco.
Respondi ao garçom com meu francês definhado “hã cafê”, e ele partiu logo, sem nada dizer.
Novamente só, peguei-me a aproveitar a situação de estar pensando em você novamente. Sabia já há algum tempo que minha viagem a Paris não me ajudaria muito na tarefa de te esquecer mas confesso que estava surpreso com minha passibilidade até aquele momento. Até então, havia conseguido me distrair muito bem com as meninas do Ste. Gertrudes e as noitadas no Nicos, uma casa noturna de segundo escalão numa perpendicular da Champs Élisées.

E, no entanto, entrando naquele café, naquele dia nublado e parado, você abruptamente invadiu meus pensamentos. Era como se eu entrasse no seu quarto depois desse tempo todo e visse de novo todos aqueles objetos meticulosamente organizados em cima de suas estantes, mesa, e cama. A primeira rosa que eu havia lhe dado, seca e guardada dentro de um papel-seda cor cenoura. Uma porta-retrato com nossa foto na Serra do Catolé (que já não devia estar mais lá...), seu livro de contos de Clarice Lispector, todo usado, quase rasgado. E Bob, o panda de pelúcia cujo nome era eternamente provisório.

Fui me lembrando aos poucos dos acontecimentos. Nosso primeiro encontro em Olinda. A primeira vez que dançamos no meio da rua (os carros passavam e as senhoras apontavam para a gente, risonhas e saudosas de um tempo romântico de suas vidas que agora lhes parecia tão distante). Nossa primeira noite, num albergue a caminho de Borocatu. A primeira vez que falei com você num tom sarcástico (primeira de tantas...). As brigas por você dedicar tempo demais ao trabalho. E, claro... Eduardo! O começo do fim. Meu ciúme doentio, suas lágrimas cansadas, o sexo teso e não prazeroso... E aquele último beijo combinado. Por demais carregado. Um beijo não agüenta tanta carga! Não deveria haver últimos beijos. E, no entanto, naquela hora faria qualquer coisa para sentir seu hálito mais uma vez...

A saudade fez mais uma vez suas provas. Não havia como retê-la. E se por desventura se quisesse ignorá-la, ela se acumularia e o pegaria desprevenido, em algum dia nublado, em algum café do Boulevard St-Michel.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Livro Imaginário Trecho primeiro

Quando entrei na sala e vi-la se ajeitar abruptamente em sua cadeira, senti que algo mudara para sempre. Eu não sabia ao certo o que me diria, embora pudesse supor. Mas sabia que o que eu criara sobre nós não sobreviveria aos duros golpes da realidade.

- Oi! Me disse ela. E em sua voz sentia-se, ainda assim, seu tom meio morango, meio limão.

Conhecia esse seu tom. Respondi-lhe com um sorriso fraco, piedoso, numa tentativa derradeira de salvar o que eu já sabia perdido.
Sentei-me ao seu lado em silêncio e em silêncio ficamos por um tempo.
Ela me olhava, buscando um convite à fala que, naturalmente, não lhe concedi.
Após alguns instantes, como que exasperada pelo impasse, se deu a falar.
Só lhe permiti algumas palavras: Logo caí em prantos.
Seu ar mudou. Quis me consolar, mesmo sabendo que era praticamente por esta única razão que me permiti ao choro.
Não havia nenhum problema em me humilhar. A luz da tristeza já estava apontada para mim. Nada então poderia me tirar de cena: choraria até o fim.

(Trecho do livro imaginário de Henrique Vieira)