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É kinda pretensious dizer que se é artista. Sou menos artista que Bukowski ou Fernando Pessoa. Sou mais artista que Gianechini ou Debora Seco... Somewhere in the middle. Sou atento ao mundo e busco sempre descrevê-lo de alguma forma e com algum tom de lirismo.

sábado, 17 de julho de 2010

O dia em que meu pai morreu.

Eu tinha doze anos.
Minha irmã mais velha me acordou no meio da noite.
“Papai está morrendo!”
Corremos pro seu quarto. Lá estava ele agonizando em sua cama.
Minha mãe molhava um pano numa bacia para passar em seu rosto vermelho.
Lembro ter ficado, naquele momento, magnetizado com a descoberta de um lado fraco de meu pai. Sua fraqueza, se é que já existira até aquele momento, mostrava sua cara para mim pela primeira vez. E eu não gostara daquilo.

Sua agonia era composta de picos de dor.
Gemidos e alguns gritos acompanhavam estes picos. Minha irmã já saíra do quarto. Não agüentava a situação. Minha mãe, confrontada ao pior, parecia triste, mas permanecia serena. E eu ficava olhando, imóvel, ao pé da cama, curioso e assustado.

Foi entre uma dor e outra que meu pai percebeu minha presença.
Um olhar. súbito e derradeiro.
Este olhar ainda está fixo em minhas lembranças, tantos anos depois. Um olhar de quem faria tudo para que eu não presenciasse aquele momento.

Austero, sempre de paletó, meu pai passara a vida tentando preservar a rigidez das boas maneiras e da virtude. Olho hoje e reconheço: ele era duro. De uma dureza cuja ternura somente eu reconhecia. Não me beijava ou abraçava. Falávamos pouco. Via-o pouco. Mas não passava um dia sequer em que, de noite, após chegar do escritório, ele não entrasse no meu quarto e ficasse me observando. Às vezes ele sentava ao meu lado na cama. Eu, fingindo dormir. Ele passava um longo momento parado e eu sentia então sua respiração. Do meu lado, tomava todo o cuidado para ele não perceber o meu sorriso.

Na manhã seguinte daquela madrugada, meu pai estava estirado num caixão, na sala de minha casa. Minhas tias choravam, meus tios brincalhões não brincavam. Minha mãe andava de um lado pro outro, aflita, oferecendo café a todos os presentes e respondendo que estava tudo bem, estava tudo bem...

Andei até o caixão. Lá estava meu pai, com seu velho paletó. A expressão de seu rosto mudara drasticamente daquele momento de agonia para agora. Na realidade, nunca havia visto aquela sua expressão até então. Uma expressão calma, solta de qualquer peso de rigidez. Uma expressão de paz e tranqüilidade.
Passei um momento olhando para o seu rosto e então tive uma certeza: essa era a expressão que ele tinha quando eu estava virado de costas para ele na minha cama.

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